domingo, 22 de março de 2009

E quando a vítima é o (a) professor (a)?

Nas últimas semanas as notícias sobre casos de violência no ambiente escolar têm ganhado a manchete dos jornais e dos noticiários. É certo que ganham mais relevância e destaque quando as vítimas são crianças ou adolescentes. Não estou aqui querendo reforçar posturas de vitimização do magistério. Entendo e defendo que os direitos das crianças e adolescentes sejam sempre respeitados. Mas não posso naturalizar os processos de violência que têm atingido professores e professoras no município de Vitória. Famílias que entram na escola e agridem fisicamente uma professora (último caso acontecido em São Pedro, neste mês). Isso sem contar as ameaças, agressões verbais e desrespeito com os quais os profissionais do magistério convivem diariamente.
É preciso que tomemos consciência da gravidade do problema e que tanto os órgãos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes quanto os sindicatos e as secretarias de educação se proponham a enfrentar esse problema e a buscar estratégias para efetivar uma educação de qualidade. Enquanto nosso foco for o IDEB, esquecendo-se que educação de qualidade vai para além do saber ler, escrever e contar vamos colaborar para que mais crianças, adolescentes, jovens e profissionais do magistério sejam violentados nos seus direitos básicos.

domingo, 15 de março de 2009

Juventudes e escola no Brasil

Para início de conversa, torna-se relevante expor o que entendemos por juventude, o que pressupõe romper com os discursos recorrentes que ora atribuem à juventude um caráter de irresponsabilidade, de problema, de risco e de vulnerabilidade; ora como fase intermediária entre a infância e a vida adulta, depositando no futuro todas as expectativas em relação aos jovens, em detrimento do presente (o jovem é um “vir a ser”). Há ainda uma tendência que identifica os jovens com uma visão romântica, associando-os à idéia de liberdade, de prazer ou ainda, às expressões culturais.

José Machado Pais (1996), autor português, afirma que “A juventude é uma categoria socialmente construída, formulada no contexto de particulares circunstâncias econômicas, sociais ou políticas; uma categoria sujeita, pois a modificar-se ao longo do tempo.”. Isso implica em afirmar que não há uma única forma de ser jovem. Daí falarmos em juventudes, no plural, com o intuito de identificar as diversas formas de se vivenciar os modos de ser jovem.

Importante também identificar a forma com que os jovens se relacionam entre si. E é neste contexto, de descobertas e novas emoções que os jovens começam a lidar com a questão da identidade. Tendo como base a idéia de que a identidade vai se constituir na interação social, os grupos de amigos, também no espaço escolar, ganham relevância, daí a importância de se discutir as relações que os jovens estabelecem com seus pares, no ambiente escolar. Os jovens tendem a se aglutinar para marcar a sua identificação com um grupo (criando seus “dialetos”, suas formas de vestir e se comportar) e também para se diferenciar dos adultos. É na formação dessas redes de sociabilidade que se formam as diferentes formas de ser jovem, que se diferenciam das diferentes formas de ser adulto.

A escola tem sofrido mudanças nas últimas décadas. A mais significativa, acredito ser a que diz respeito à massificação do ensino. Esta produz um fenômeno novo: a escola como espaço de diversidade e não mais de homogeneização. E a grande questão que se coloca é entender se a escola está preparada para trabalhar com a diversidade, uma vez que sempre esteve em contato com a padronização.

Com a massificação do ensino, houve uma significativa migração de alunos das classes médias e elite para a rede particular, fazendo com que a escola pública passasse a ser vista como “escola para pobre”. O próprio sentido do ensino médio passa a ser alterado. Para jovens das classes populares é a última etapa da escolarização.

Somado a isso é importante destacar a representação negativa e preconceituosa da juventude, sobretudo os jovens das classes populares, identificados como problema e vinculados à idéia de risco e violência, logo passando a ser vistos como problemas sociais.

A escola nega ao aluno a sua condição juvenil, ao desconsiderar a sua especificidade e tratá-lo de forma homogeneizante. A crise porque passa a escola pública hoje está de certa forma relacionada com a já referida massificação do ensino, apesar dos constantes esforços unilateriais em se atribuir a responsabilidade aos jovens, aos professores e à família. Para a escola e os seus profissionais o problema está centrado nos alunos que não têm limite e não têm interesse na educação, além de culpabilizarem também as famílias dos jovens. Quando a família que se apresenta na escola é diferente do modelo nuclear burguês, diz que as famílias são desestruturadas, transferindo para elas, inclusive, o fracasso escolar de seus filhos. A escola naturaliza essa postura e não se dispõe a discutir o porquê de fato os alunos não aprendem.

Assim, a instituição escolar que poderia contribuir para diminuir as desigualdades sociais acaba por reforçá-la quando, ignora as desigualdades sociais, econômicas e culturais entre os jovens das diferentes classes sociais.

sábado, 14 de março de 2009

O corpo como capital simbólico

O conceito de feiúra, assim como o de beleza, é relativo não somente às diversas culturas, mas também, ao tempo. Não somente ao tempo passado, mas também ao tempo futuro (ECO, 2007, p. 391). Assim, há um padrão de beleza em cada cultura e também em cada tempo histórico dentro de uma mesma cultura. O padrão de beleza definido hoje, refere-se a um corpo magro (no caso das mulheres) e musculoso (no caso dos homens).

Os indivíduos de cada cultura constroem os seus corpos e comportamentos através da “imitação prestigiosa”, o que nos permite afirmar que o corpo é uma construção cultural, podendo variar de acordo com o momento histórico e cultural de cada sociedade, sendo adquirido através da imitação de atos, comportamentos e corpos que obtiveram sucesso (MAUSS, 1974). Em nossa sociedade, as modelos e atrizes adquiriram status de celebridade e passaram a ser invejadas e imitadas, principalmente, pelas jovens.

O corpo é uma construção cultural e os indivíduos incorporam a representação desse corpo no processo de socialização. De acordo com o que afirma Rodrigues (1980, p. 45), o corpo é, ao mesmo tempo natureza e cultura, sendo, o sistema biológico humano, afetado pela religião, pela ocupação, pelo grupo familiar, pela classe, pelo gênero e outros intervenientes sociais e culturais. Na sociedade contemporânea, o padrão do corpo refere-se ao magro e “sarado”. Todos os que fogem a esse padrão são “condenados” às dietas, à malhação, às cirurgias plásticas ou à morte simbólica, tendo em vista que, segundo Velho (1979, p. 17), “A idéia de desvio, de um modo ou de outro, implica a existência de um comportamento “médio” ou “ideal”, que expressaria uma harmonia com as exigências de funcionamento do sistema social”.

O corpo belo, magro e sarado passa a ser a própria representação do eu. Eu passo a existir a partir do olhar alheio e não suporto não estar na “fôrma”. A partir dessa lógica passamos a identificar os que estão fora desse padrão de beleza como pessoas sem vontade própria, desleixadas, sem disciplina, sujeitando-os às piadas constantes. As “vítimas” preferidas dessa ideologia são os/as jovens. Daí talvez seja possível compreender o porquê de uma parcela significativa dos jovens viverem nessa busca desenfreada pelo corpo magro e com certa repulsa alimentar, numa sociedade cuja maior vergonha é ter seres humanos morrendo de fome ou inanição. Essa busca tem levado jovens a cometer medidas extremas, acarretando inclusive em morte, em virtude da anorexia ou da bulimia, que são doenças dessa sociedade de consumo e culto ao corpo magro, que se contrapõe à realidade de muitas famílias, cujos filhos morrem de fome não por recusa alimentar, mas em decorrência da desigual distribuição de renda.

Acredito que os sentimentos provocados a partir da imposição de um padrão corporal magro sejam semelhantes, tanto nos jovens das classes populares, quanto nos jovens das classes média e elite. A diferenciação deve se dá, ao nível das estratégias para se alcançar o referido padrão de beleza, uma vez que, os jovens das classes médias possuem muito mais recursos financeiros que os das classes populares, daí que, segundo Marx (2004. p. 169), “..., não sou feio, porque o efeito da fealdade, o seu poder de repulsa, é anulado pelo dinheiro.” (grifo do autor)

E é no espaço escolar que as diferenças começam a se sobressair, ganham uma visibilidade negativa, pois aqueles que são diferentes, logo começam a ser alvo das “brincadeiras” e dos apelidos, sendo que as reações são as mais diversificadas. Passam pela aceitação[1], pela reação silenciosa e até mesmo a uma agressão. E os adultos nem sempre estão preparados para identificar esse tipo de violência e nem para conduzir a mediação quando o conflito já está posto.

Referências Bibliográficas:
ECO, Umberto (org.). História da feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: Sociologia e Antropologia, São Paulo, EPU, 1974, vol. II, pp.209-233
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980.
VELHO, Gilberto (org.). Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

[1] Uso aqui o termo “aceitação” para expressar o que acontece com os jovens que preferem permitir serem inferiorizados pelo grupo a ter que se afastar do mesmo. É mais fácil tolerar o sentimento de inferioridade do que o de solidão.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Violência institucional

Em se tratando da educação acredito ser relevante destacar que a profissão do magistério, majoritariamente, é exercida por mulheres. As professoras, em sua maioria, mas também os professores, através de denúncias e desabafos, vêm nos revelar as violências sofridas no ambiente de trabalho. Salários defasados, carga horária excessiva, pressão para aumentar a “produção”, salas superlotadas, além de todo o stress vivido pelas ameaças sofridas por alunos, pelas suas famílias e até pelo tráfico, além das relações interpessoais conflituosas e autoritárias. Angústia por não saber o que fazer diante da perda diária de alunos para o tráfico, angústia diante dos abusos cometidos pelas próprias famílias. Hoje somos reféns do medo. Essa é uma das facetas da violência contra a mulher. É uma violência (simbólica) a qual nós, mulheres trabalhadoras do magistério temos enfrentado, cotidianamente. Quem não resiste, adoece. E muitas de nós têm adoecido...

As crianças e jovens no Brasil também são submetidos, cotidianamente às violências. Digo violências, pois são muitas e de causas também plurais. Quando são excluídos dos programas sociais teoricamente criados para atender suas demandas ou mesmo quando não são ouvidos na formulação e avaliação de tais políticas públicas. Quando não aprendem, quando precisam estar no mercado de trabalho precocemente, quando são discriminados pela classe social, etnia, sexo, estética; quando não são atendidos nas unidades de saúde, quando são invisibilizados pela sociedade de consumo que só consegue vislumbrar quem tem poder de consumo. Quando são ignoradas e quando não há o reconhecimento de seu capital cultural. Quando as denúncias aos órgãos competentes são feitas e não há retorno... sensação de “abandono” que toma conta de cada um de nós!

A escola não é uma ilha. Ela está inclusa na sociedade e esta faz parte da escola. Logo, se partimos da idéia defendida por Marilena Chauí, de que a estrutura da sociedade brasileira é violenta, vamos, inevitavelmente afirmar que a estrutura da escola também o é. Precisamos então romper com o mito da não-violência brasileira se quisermos aprofundar o debate sobre a violência no Brasil. Precisamos romper com a lógica perversa que marginaliza os mais pobres. Flávia Schilling (2004), no livro, “A sociedade da insegurança e a violência na escola”, diz que: (...) É preciso polícia, justiça, moradia, trabalho, saúde, educação, meio ambiente, cultura, apoio às vítimas, tratamento dos agressores. Há intervenções que podem ser feitas a partir dos recursos próprios, dos recursos pessoais de cada um de nós. Há ações que só são possíveis a partir da construção de um coletivo, que exigem uma interlocução mais ampla.
Sendo assim, afirmo que a efetivação de uma cultura de paz nas escolas necessita não somente de profissionais bem intencionados, mas também valorizados, além da articulação de ações que dêem conta da complexidade que é a violência.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Abordagem etnocêntrica da aprendizagem

Motivada pelas conversas com professores, em que os mesmos relatavam suas angústias em relação à diferença na aprendizagem de seus alunos das escolas públicas e privadas, inicio uma discussão sobre desempenho escolar, a partir dos conceitos de cultura, etnocentrismo e capital cultural.

O conceito de cultura nos permite entender como características universais da humanidade (comer, falar, reproduzir, dentre outros) adquirem significados próprios dentro de cada grupo social. Daí só poderem ser compreendidos no contexto de seu próprio grupo.

O etnocentrismo é uma visão do mundo onde nosso grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nosso modelos, nossas definições do que é a existência. Passamos a julgar o “outro” segundo o que pensamos, sentimos e acreditamos ser correto. O “eu” passa a ser a referência para o “outro”. O reconhecimento da diferença é ameaçador justamente porque fere a nossa própria identidade cultural. A sociedade do “eu” passa então a ser reconhecida como a melhor, a superior, a civilizada por excelência. Torna-se necessário um esforço em relativizar, a fim de não transformar a diferença em desigualdade, que hierarquiza as culturas e os homens em superiores e inferiores. A relativização propicia que a diferença seja vista em sua riqueza. A lógica da dominação e do não reconhecimento da diferença é tão perversa que muitos dominados incorporam a cultura dominante como sendo superior e melhor que a sua, sonhando em alcançá-la, o que alguns autores chamam de etnocentrismo invertido.

A relação com a cultura, para as classes dominantes, segundo Pierre Bourdieu, se dá através de um aprendizado precoce, desde a infância, na própria família. Já para as classes dominadas esse contato é feito tardiamente por inculcação escolar. Essa relação tem implicações, de acordo com o autor, no desempenho escolar, pois, quanto maior a relação de intimidade com as coisas da cultura e da linguagem, maior será a incorporação da ação pedagógica. Na perspectiva de Bourdieu, a escola é concebida como sendo uma instituição a serviço da reprodução e da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes. Conhecer essas engrenagens nos permitiria romper com essa lógica.

A escola reproduz os mesmos métodos em espaços educativos diferentes, desconsiderando as especificidades dos sujeitos. Nega ao aluno a sua condição de sujeito e desconsidera as múltiplas formas de se vivenciar a infância, a adolescência, a juventude, a adultez e até mesmo a velhice. Desconsidera a herança cultural desses sujeitos, a qual possibilitaria maior ou menor afinidade com a cultura escolar, garantindo o sucesso ou o fracasso escolar. Não há reconhecimento da diferença e esta passa a ser vista como desigualdade e se expressa através da exclusão (os números de evasão, por exemplo, são elevados).

Onde está o “problema”? Na cultura de origem do aluno ou na cultura escolar? É possível afirmar que os alunos das classes populares, por possuírem capital cultural incompatível com o exigido pela cultura escolar, não tenham cultura ou que não sejam capazes de obter sucesso escolar?
Por que não pensar que as pessoas são diferentes, têm vivências e experiências diferentes, logo, aprendem de formas singulares e em diferentes tempos e espaços? Qual o sentido ou significado que os conteúdos ensinados têm para os alunos das classes populares? São os mesmos sentidos ou significados para os alunos das classes médias e elite?

Muitos são os questionamentos e não pretendo dar as respostas (nem mesmo sei se existem!). A principal contribuição aqui é nos provocar uma reflexão a respeito da (não) aprendizagem dos alunos das escolas públicas. Há que se considerar as questões sócio-econômicas-culturais, assim como o próprio processo de exclusão produzido pelas escolas, a fim de entender as diferenças no desempenho escolar de alunos das escolas públicas e privadas.