quinta-feira, 20 de setembro de 2012

É MELHOR SER “ANOREXA” DO QUE SER “GORDA”?


Fabíola dos Santos Cerqueira
cso.especialista@yahoo.com.br

Nas minhas andanças pela cidade, sempre de ônibus, como não consigo ler (porque não consigo sentar), fico de “orelha em pé” nas conversas. E ouço cada coisa! Nem queiram saber.

Mas há uma história que não poderia deixar de contar. Era exatamente meio dia quando o ônibus parou diante de uma escola que enchia cada vez mais. Lá estava eu espremida, com uma sacola na mão e tendo que aguentar aqueles estudantes passando com suas mochilas nas costas, rindo e gritando alto.

O cobrador pedia silêncio, o motorista ficou bravo, mas eles não estavam nem aí. Iam se espremendo até que todo mundo entrou e conseguiu se encaixar. Com isso fui empurrada lá para o final do ônibus, onde duas adolescentes conversavam bastante animadas. Uma delas pediu para segurar minha sacola e eu prontamente agradeci e por ali mesmo fiquei e aproveitei para ouvir a história que ansiosamente quero dividir com vocês.


  • Amiga, você viu a roupa da Martinha na festa de sábado?
  • Vi sim. Que horror! Nunca vi tamanho mau gosto. Com aquele tamanho todo o mau gosto parece que fica maior.

As duas caíram na gargalhada e continuaram a conversa.

  • Ela disse que está fazendo dieta, você acredita?

  • Claro que não! Só se for para ficar mais gorda. No recreio ela não para de comer. Tá sempre mastigando (a menina falava e ria muito, eu quase não conseguia entender suas palavras).

  • E a Andressa, soube que ela está doente? Parece que é uma tal de anorexia. A pessoa fica sem comer até ficar bem magra. Dizem que pode até matar, já que o organismo fica desnutrido.
  •  Ah, sim, fiquei sabendo. Mas confesso que preferia ter essa anorexia do que ser gorda. O gordo é relaxado, é feio. Se tivesse anorexia pelo menos estaria bonita, bem magrinha, imagina?
  • Você já é magrinha! Mas já pensou que pode até matar se não for tratada?
  • E como se trata?
  • Li na Revista Capricho que o tratamento é longo e doloroso, pois muitas meninas entram em depressão, porque ficam magras mas se veem gordas ao se olhar no espelho. Se acham feias. Tem que ser feito com nutrólogo, psicólogo e psiquiatra. Não sei, acho que não preferia ter essa doença a ser gorda não. Acho que preferia ser do jeito que sou. Com saúde. Já parou para pensar no tanto de besteira que a gente tá falando? (disse com aquela cara, tipo, “caiu a ficha”!).
  • É, vendo por este lado você tem razão, concordou a amiga. Nas duas situações a pessoa deve sofrer porque somos muito preconceituosas. Tipo, temos preconceito com que está acima do peso e se for magro demais também vamos zoar. Quando chegar em casa vou pesquisar um pouco mais sobre essa tal de anorexia.

O ponto delas chegou e elas desceram. Agradeci por terem segurado a minha bolsa e elas sorriram. Duas meninas que deviam ter por volta de 13 ou 14 anos, bem magrinhas, com aparência saudáveis, mas cheias de preconceito. Eu sentei e fiquei refletindo sobre a conversa que ouvi. Estou acima do peso. Será que prefiro ser gorda ou anoréxica? Será mesmo que tenho que fazer essa escolha? Será que essa escolha é minha mesmo? Que sociedade é essa que determina tudo, inclusive o padrão de beleza: branco, pele clara, cabelos lisos, magro/sarado, alto. Tudo que foge ao padrão é excluído. Não há alguma coisa errada com essa sociedade? Uma sociedade onde as pessoas estão sempre insatisfeitas com seu corpo. Estão sempre buscando parecer arquétipos criados pelo show busines, num mundo onde quem não se entrega ao hambúrguer e ao fast food acaba correndo o risco de morrer de anorexia.

Foi em meio a toda essa reflexão que desci do ônibus atordoada para mais um dia de trabalho na escola...

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Quanto custa não estar na forma?


Fabíola dos Santos Cerqueira
Mestre em Educação (PPGE/UFES)

Em maio de 2010 defendi a dissertação de Mestrado intitulada “Juventude, violência simbólica e corpo: desvelando relações de poder no cotidiano escolar”. Na ocasião pretendia compreender as formas de violência simbólica entre jovens do Ensino Médio do Município de Vitória e seus comportamentos diante da pressão por um corpo perfeito e a influência desse padrão na sociabilidade juvenil e estudantil. Pude identificar que a pressão por estar “na forma” é evidente entre meninos e meninas, que desejavam ser sarados e magras, respectivamente. Queriam ser notados pelos seus corpos que insistiam em exibir enquanto os adultos insistiam em mantê-los encobertos, pelo menos no interior das escolas. Desconheciam os riscos das dietas milagrosas sem prescrição médica e chegaram a afirmar que entre ser “gorda” e “anoréxica”, o melhor seria a segunda opção. Caracterizavam a gordura corporal como desleixo, como falta de cuidado e de vontade própria, pois "quem queria, não era preguiçoso, tinha um corpo legal”.

Estou trazendo este recorte de minha dissertação objetivando denunciar e alertar a todos sobre os males e os riscos da anorexia nervosa, doença que só fui conhecer de verdade quando a mesma bateu à minha porta e atingiu a minha filha de apenas 13 anos. No início tratava-se apenas de uma restrição alimentar simples objetivando manter o corpo (que já era magro) em forma (pura vaidade). Com o passar dos dias fui percebendo que a quantidade de alimentação estava cada vez menor. Em dezembro do ano passado, após um desmaio, procurei por vários médicos (cardiologista, pediatra, neurologista, endocrinologista) e todos eles me disseram, com base nos exames que estava tudo bem. Mas ninguém me dava atenção quando eu dizia que ela comia muito pouco.

Em maio deste ano a nutricionista do CENTROCOR me alertou de que a minha filha estava desnutrida. Imediatamente entramos em contato com a pediatra que recomendou atividade física, comida e psicóloga. Duas semanas depois minha filha foi internada num hospital particular do município de Serra com um quadro de desnutrição, com IMC (Indice de Massa Corpórea) igual a 13. A internação ocorreu depois de muita insistência, pois apesar da menina mal conseguir andar, todos afirmavam que ela estava ótima, afinal seus exames laboratoriais assim o diziam. Nos nove dias de internação ficou claro que os profissionais do hospital não sabiam o que faziam. Insistiam apenas que ela tinha que se alimentar para melhorar e que se tratava de um problema de fundo psicológico. Não foi feita uma avaliação psicológica porque esta estava de férias e o psicólogo do hospital, apesar de ser acionado, não fez a avaliação. Tivemos que pagar profissionais externos para fazer a avaliação psicológica e psiquiátrica.

Esse relato, onde exponho minha intimidade e a de minha família servem para alertar aos pais quanto à alimentação dos filhos. Restrição alimentar ou dieta, como queiram chamar, somente com orientação profissional. Não podemos nos deixar levar pelos comerciais, pelas receitas caseiras ou pela “neura” de chegar a um “peso ideal” a qualquer custo. O custo pode ser alto. Pode ser a própria vida.

Chamo atenção às autoridades da área da saúde (pública e privada), pois os hospitais e os médicos de maneira geral (exceto os especialistas da área) não sabem identificar a doença e quando a mesma é identificada não sabem como agir. Se existe a piada de que médico quando não sabe o que temos diz que é virose, se ele souber que você tem anorexia nervosa, seus sintomas tornam-se “psicológicos” e nada é feito, pois quem cuida desses sintomas é o psiquiatra. Quando a anorexia nervosa será reconhecida como uma doença social dessa sociedade de consumo e do culto ao corpo magro? Quando os médicos aprenderão a olhar para os pacientes e seus familiares com menos preconceito? Quando entenderão que não comer deixou de ser uma escolha e passou a ser uma doença?

Como profissional da educação, insisto que a escola (que não é uma ilha, mas está inserida na sociedade), deve também estar atenta a estas questões, a fim de evitar casos de bullying e de qualquer forma de exclusão (que pode se dar através de um olhar, de uma palavra sem intenção de ferir, por exemplo).

A mídia impõe a tríade: ser bela, ser jovem, ser saudável. Hoje as mulheres querem ser magras, leves e turbinadas para se sentirem belas. Enquanto cidadã penso na loucura que é tentar encaixar-se num padrão de beleza que sequer existe. Quando nos deixarão ser felizes do jeito que somos? Quando teremos coragem de dar um fim à ditadura da magreza? Afinal, sabemos quanto custa não estar na forma? Já fez as contas, leitor?

Publicado no Jornal A Tribuna, de 05 de setembro de 2012, na coluna Tribuna Livre, com algumas adaptações para se adequar ao espaço da coluna.