terça-feira, 2 de abril de 2013

Fracasso escolar ou fracasso do ensino?

Fabíola dos Santos Cerqueira
Mestre em Educação (PPGE/UFES)

No início do ano letivo foi divulgado pela imprensa o resultado de uma pesquisa (questionários da Prova Brasil 2011) onde mais de 90% dos professores entrevistados afirmavam que a causa do baixo desempenho escolar era o desinteresse dos alunos. Associado ao desinteresse dos alunos vinha a falta de acompanhamento familiar. Penso que a questão não seja assim tão simples, pois precisamos estar atentos aos problemas de aprendizagem e também aos de “ensinagem”, ou seja, os alunos não aprendem por vários motivos e não somente por desinteresse. 
A relação com a cultura, para as classes dominantes, segundo Pierre Bourdieu, se dá através de um aprendizado precoce, desde a infância, na própria família. Já para as classes dominadas esse contato é feito tardiamente por inculcação escolar. Essa relação tem implicações, de acordo com o autor, no desempenho escolar, pois, quanto maior a relação de intimidade com as coisas da cultura e da linguagem, maior será a incorporação da ação pedagógica. Na perspectiva de Bourdieu, a escola é concebida como sendo uma instituição a serviço da reprodução e da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes. Conhecer essas engrenagens nos permitiria romper com essa lógica.
Em 2011, coordenei uma pesquisa em uma escola pública da rede estadual de ensino, no município de Serra, e alguns dados se destacaram: mais de 50% dos professores tinham pós graduação (especialização e mestrado), no entanto, em 2010, mais de 60% dos alunos do 1º ano do Ensino Médio ficaram reprovados ou evadiram. Num grupo focal com os alunos que haviam ficado reprovados em 2010 e que retornaram à escola em 2011, constatei que alguns deles reprovaram porque não queriam mesmo estudar. Faziam o que François Dubet chama de “greve” (queriam estar na escola apenas para relacionar-se com seus pares). Outros atribuíam à reprovação o fato de que ficavam desmotivados com disciplinas como Física, Química e Matemática e a impossibilidade de dependência fazia com que desanimassem de estudar, já que a reprovação em uma disciplina significaria repetir o ano. Assumiam sua parcela de responsabilidade, mas apontavam situações em que ficava claro a falta de incentivo e de aposta dos professores em relação aos alunos. Falavam muito na percepção de que os professores já chegavam à sala de aula sem ânimo para ensinar, o que fazia com que as aulas fossem entediantes. 
 
Em contrapartida, na conversa com os professores, o discurso legitimava o resultado da pesquisa a qual nos referimos no início desse texto. Nós, professores temos dificuldade em refletir sobre nossa prática pedagógica e desconsideramos outros elementos que podem interferir no processo de ensino. Enxergamos os alunos como únicos responsáveis pelo fracasso escolar. Não nos damos conta de que esse fracasso não é individual, mas demonstra o fracasso do processo de ensino.
Onde está o “problema”? Na cultura de origem do aluno ou na cultura escolar? É possível afirmar que os alunos das classes populares, por possuírem capital cultural incompatível com o exigido pela cultura escolar, não tenham cultura ou que não sejam capazes de obter sucesso escolar? Por que não pensar que as pessoas são diferentes, têm vivências e experiências diferentes, logo, aprendem de formas singulares e em diferentes tempos e espaços? Qual o sentido ou significado que os conteúdos ensinados têm para os alunos das classes populares? São os mesmos sentidos ou significados para os alunos das classes médias e elite? Em que sentido a formação do professor impacta o aprendizado do aluno?
Minha experiência tem mostrado que há uma lacuna na formação inicial do professor (que ainda espera encontrar na escola o aluno ideal) que não está sendo preenchida pela formação em serviço e que tem culminado no fracasso do ensino. Temos uma geração de analfabetos funcionais, preparados para decodificar o código escrito, mas não aptos para uma leitura política do mundo que os capacitaria para uma intervenção cidadã na realidade a qual fazem parte. Logo, não se trata de uma reflexão sobre o que sabem os alunos da escola pública e o que sabem os alunos da escola particular. Trata-se de uma reflexão sobre os objetivos do ensino: para a reprodução ou a transformação social? E isso perpassa, inevitavelmente pela formação do professor e pelas suas condições objetivas de trabalho.
Texto publicado no Jornal A Tribuna, de 02 de abril de 2013, página 26, coluna Tribuna Livre.