segunda-feira, 22 de março de 2010

Eu acredito nas crianças!


“Sempre quis falar,
Nunca tive chance,
Tudo o que eu queria estava fora do meu alcance.”
(Charlie Brown Júnior)


No dia 19 de agosto de 2009, foi realizado pela Equipe de Mobilização Estudantil, da Secretaria Municipal de Educação de Vitória, o primeiro encontro de mobilização estudantil com as crianças de 1ª a 4ª séries da Rede Municipal. A realização deste encontro se justificou na necessidade de reconhecer o direitos dessas crianças de participar das discussões que envolvem a qualidade da educação que lhes é oferecida. E assim, no reconhecimento desse direito, permitir que as crianças ganhem visibilidade e possam expressar suas opiniões, desejos e sentimentos e que os adultos passem, de fato, a respeitá-las nas suas individualidades.

A atração principal foi a apresentação teatral, com a Maria Mineirinha. Optamos pelo teatro como estratégia lúdica para envolver as crianças. A personagem Maria Mineirinha conseguiu integrar ludicidade com conteúdo, favorecendo a reflexão a respeito de temas como: amor, respeito às diversidades, família, mobilização, participação, amizade, política, eleição, dentre outros. Ela iniciou a apresentação com a seguinte frase: “EU ACREDITO NAS CRIANÇAS!”. Foi esse o tom de todo o encontro.

Em relação às temáticas, é importante ressaltar a reação das crianças (e dos adultos presentes) quando a Mineirinha tirou de sua mala dois bonecos: um sem uma das pernas e o outro sem um dos braços. Houve muita gargalhada e algumas crianças diziam: Olha, o boneco está aleijado! Neste momento, a Mineirinha intervinha, perguntando o que havia de errado em não ter braço ou perna e se elas não conheciam alguém que também vivia sem um dos braços ou uma das pernas. Ela então falou das pessoas com deficiência auditiva, visual, física, dentre outras. Neste momento ela falou de todas as diferenças que, quando não respeitadas, transformam-se em desigualdades: social, gênero, étnico-racial, dentre outras. Vocês não disseram que criança pode falar sobre respeito? Então, temos que respeitar as diferenças que existem entre as pessoas, disse a Mineirinha.

No início as crianças estavam bem tímidas, embora quisessem participar. A Maria Mineirinha fazia perguntas, eles queriam responder, mas não sabiam o quê responder. Perguntas como: Você gosta da escola? O que você mais gosta na escola? O que você menos gosta na escola? As respostas eram sempre assim: Por que sim, porque gosto, por que é legal. Tudo é bom. Os professores são todos legais. Até que a Maria Mineira resolveu provocar: Que maravilha que está tudo bom nas escolas. Então não precisamos mudar nada lá, né? Nesse momento houve uma reação em coro: Não. Mas não sabiam dizer o que precisa ser mudado. Aqui fica evidente que as crianças não sabem o que falar porque não são habituadas a expressar o que pensam nos ambientes em que vivem, seja na família ou na escola. Paira ainda entre nós a idéia de que a criança não tem o que dizer, ela não sabe o que quer. Uma pedagoga presente chegou a dizer que nunca havia pensado em como é importante estimular as crianças a falar, oportunizar espaços de escuta.

Apenas no final da apresentação, quando a Mineirinha propôs que fosse feito um protesto contra tudo o que não concordamos e queremos mudar é que pudemos ter a dimensão do sentimento dessas crianças. A Mineirinha começou: Eu protesto contra os adultos que não acreditam nas crianças. E, em fila, as crianças foram dizendo:

*Eu protesto contra a violência!
*Eu protesto contra a pedofilia!
*Eu protesto contra a fome!
*Eu protesto contra os professores que não escutam os alunos.
*Eu protesto contra...

A maioria das crianças (e alguns adultos) levantaram-se para protestar contra alguma coisa. A cada novo protesto, muitos aplausos e a certeza de que naquele momento, as forças estavam unidas para alcançar um único objetivo: a construção de um mundo melhor! Um mundo melhor construído por crianças, jovens, adultos e idosos. Um mundo melhor construído por pessoas, sem hierarquia.

E ao som de “Eu quero participar, eu quero mobilizar, a Maria Mineirinha segue seu destino e deixa em cada um de nós a certeza de que as crianças sabem e devem participar. As crianças retornaram às escolas com um sorriso no rosto e um brilho nos olhos.

Acreditamos que a partir desse encontro conseguimos plantar uma sementinha em cada pessoa presente, seja criança ou adulto. Aqueles que não acreditavam no potencial daquelas crianças foram convencidos quando puderam ver as crianças participando, perguntando, se propondo a falar. Demos o primeiro passo e sabemos que o nosso desafio é grande, mas estamos dispostos a continuar esse trabalho, pois temos convicção de que os frutos colhidos serão de extrema relevância na (re)construção de uma escola pública de qualidade.

Quem quiser acompanhar os trabalhos da Equipe de Mobilização Estudantil da Prefeitura Municipal de Vitória basta acessar o blog http://mobilizacaoestudantil.blogspot.com/

sexta-feira, 19 de março de 2010

Juventudes e problemas sociais


Fabíola dos Santos Cerqueira
Rose Mary Fraga Pereira

Tem circulado na internet um e-mail no qual os benefícios sociais oferecidos pelo Governo Federal são colocados como privilégios concedidos aos pobres e as classes médias e elites aparecem como “palhaças” por sustentarem a população “esperta” que vive dos benefícios oferecidos pelo Estado. Este tipo de mensagem nos provoca porque é carregada de preconceito social e transfere para o individuo a responsabilidade pelas suas próprias mazelas. E há muita gente que apóia este tipo de mensagem e nem se dão conta de que a miséria é um problema social. Não se dão conta de que um programa como o Prouni, por exemplo, fez com que jovens das classes populares tivessem acesso a espaços, antes só ocupados pelas elites desse país. Este tipo de programa reascende a esperança e alimenta os sonhos dessa parcela da juventude.

O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, a não fazer a tão esperada reforma agrária e a ter elevados índices de desigualdade social. Um país que viu a questão da escravidão se transformar em questão agrária. E esta hoje se transforma em questão urbana. Um país cujas políticas públicas são ineficientes, o índice de analfabetismo é alto, onde ainda há escolas públicas sem a menor condição estrutural, onde a educação não é prioridade, onde saúde pública é piada.

Diante disso, fomos motivadas a escrever sobre a relação entre juventudes e problemas sociais.

Diariamente, ao abrir os jornais ou ao assistir aos noticiários da TV nos deparamos com notícias de jovens sendo assassinados ou presos, sempre relacionando o fato ao uso de drogas. Estatísticas comprovam que os jovens são os que mais morrem no Brasil. Recentemente, outra situação que chama a atenção é o de familiares que acorrentam seus filhos adolescentes em casa para que os mesmos não possam sair para usar drogas. Temos a impressão de que os meios de comunicação trabalham com estas notícias, atribuindo apenas aos jovens e as suas respectivas famílias a responsabilidade por tais atos. Então, passa-se a idéia de que se esses jovens estão envolvidos na criminalidade é por uma escolha individual, assim como sair dessa situação também seria uma questão individual, de força de vontade e não de responsabilidade social.

Não percebemos uma responsabilização do poder público e uma cobrança da sociedade para que as políticas públicas de juventude abandonem seu caráter compensatório e assistencialista e passem a vigorar sob o paradigma da inclusão social. Diante disso, vêm os questionamentos: Onde estão as políticas públicas de juventude? Como são formuladas? Para quem são formuladas? Quem avalia essas políticas e com qual frequência?

Aliás, uma pergunta central seria: qual concepção de juventudes há por detrás das políticas públicas de juventude no Brasil? Pois, conforme aponta Oscar Leon, por trás de toda política se encontra uma idéia dos sujeitos a quem a política se destina, assim como dos problemas vivenciados por estes sujeitos; e dependerá dessa idéia o tipo de política que terá como resposta.

De acordo com a socióloga Dina Krauskopf, o paradigma que vincula juventude à problema social identifica as “patologias” juvenis aos próprios jovens e, portanto, as ações das políticas embasadas neste paradigma visam atingir aos jovens, ignorando o contexto. A ênfase no controle favorece a estigmatização da juventude, atrelando-a a aspectos negativos. Importante ainda ressaltar que o objetivo é proteger a sociedade dos problemas causados pelos jovens, sobretudo os das classes populares, já que estes estão vinculados à idéia de risco e transgressão. Os jovens ganham visibilidade, então, a partir do medo que sentimos deles. A nosso ver é esse paradigma que vigora, hoje, no Brasil.

Assim, a forma como se concebe as juventudes irá influenciar na forma de tratamento, de diálogo e de interação com este público. Políticas públicas que desejam promover a inclusão social devem ter como foco o jovem como sujeito de direito e respeitar as suas singularidades e o contexto no qual estão inseridos. O primeiro passo, talvez, fosse ouvir esses jovens e construir com eles (e não para eles) tais políticas.