quinta-feira, 26 de setembro de 2013

SALA DE AULA: ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

Fabíola dos Santos Cerqueira
A sala de aula é um espaço pesquisado e analisado por muitos especialistas da área educacional, no entanto, constitui-se como um local exclusivo de professores e estudantes. Os conflitos, os encontros e desencontros que ali ocorrem são momentos que marcam as vidas desses sujeitos de forma singular, tanto positiva como negativamente. Proponho-me a falar das marcas positivas que a sala de aula me proporciona. Espaço de construção de conhecimento, de emoção, de partilha, de doação e de amizade.
Há os que certamente me julgarão, pois não conseguem ver a “belezura” da sala de aula. Não conseguem enxergar o brilho no olhar do educando diante de uma nova experiência. Até porque muitos de nós, professores, endurecidos pelas marcas do descaso do governo e da sociedade e pelo desrespeito de alunos e seus familiares, sofremos com a síndrome de burnout, a qual manifesta-se pelo esgotamento físico e emocional, levando muitos profissionais a abandonar a carreira ou mesmo provocando depressão e, consequentemente, afastamento do trabalho. Mesmo que simbolicamente, muitos de nós têm desistido, daí a justificativa do número elevado de licenças médicas e a não intervenção diante desse quadro, com atenção à saúde do trabalhador em educação.
Mas voltando às “belezuras” da sala de aula, gostaria de registrar que ser professora, na minha perspectiva, significa, em última instância, uma aposta no outro. Significa gostar de gente, conhecer a categoria geracional com a qual trabalha, oportunizar ao educando o conhecimento historicamente acumulado e respeitar a sua realidade sociocultural.
Lecionando Sociologia no Ensino Médio, com apenas uma aula por semana, enfrentando os desafios da dinâmica acelerada da escola, a agitação dos jovens e um desejo enorme de “afundá-los” nos tais conhecimentos historicamente acumulados, percebo que a resposta para uma aula melhor tem sido dada por eles, na medida em que, sem que me dê conta, mudam o “rumo da prosa” e trazem a reflexão sociológica para a realidade social a qual estão vinculados. Fazem os links com as disciplinas das diferentes áreas e me ensinam que a escuta qualificada é a melhor forma de construir um planejamento que os atenda.
Diante desse desafio tenho vivenciado experiências fantásticas, vendo jovens desconstruindo preconceitos e se dispondo a enxergar o mundo a partir de outro viés. Tenho presenciado jovens falando sobre política (apesar do discurso insistente de que eles não gostam de política), falando sobre o cotidiano e apontando, de forma enfática, quais são as suas necessidades. Vejo jovens que não se negam a cumprir as regras (com as devidas exceções), mas que as desejam justas. Vejo jovens com projetos de futuro, com sonhos, mas que enfrentam um presente de negação, sobretudo por parte da ausência de políticas públicas que promovam a inclusão social.
Encontro no exercício diário de minha profissão, a oportunidade de cumprir a função social de educadora, participando do processo formativo de cidadãos plenos, os quais refletem sobre a realidade a qual fazem parte e tentam, a seu modo, resistir às estruturas arcaicas, sejam da escola, sejam da sociedade. E é nesse movimento de resistência que se encontra a maior de todas as belezas: a capacidade de reagir diante da opressão. 
Enfim, como dizia Paulo Freire, a escola é sim lugar para ser feliz. E ser feliz, para mim, é perceber que os jovens, ao contrário dos discursos pessimistas, vislumbram um futuro de mudança, mas exigem um presente com respeito e dignidade. Por isso tudo é que afirmo que a sala de aula é o espaço onde os conhecimentos são construídos e não repassados. Novamente citando Freire, afirmo que no meu inacabamento, numa relação dialógica com os estudantes, (re)construo-me a cada instante.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

2013: O ano em que os que dormiam, se juntaram aos que estavam acordados e deram início à revolução de ideias.

Consegui chegar em casa agora depois de ter passado horas de horror em frente a ALES. Pensei que estava em meio a uma guerra. Tanto ódio, tanta violência vinda de quem teria por obrigação nos defender. E os policiais diziam que estavam cumprindo ordens. De quem? Do Imperador? Não pude entrar na "Casa do Povo" e de troco levei muito gás de pimenta (meus olhos e narinas ardem até agora). Me livrei das balas de borracha, mas os estragos das bombas de "efeito moral" não saem da minha mente (violência psicológica). Vi colegas professores, pais e mães de família, jovens, idosos, pessoas de diferentes origens correrem da polícia como se fossem bandidos. Pela primeira vez em minha vida corri da polícia. Pela primeira vez em minha vida tive medo da polícia. Pois a ordem era para que "limpassem" a "Casa do Povo".

Vi jovens machucadas, vi pessoas sendo detidas simplesmente por estarem na rua exigindo o DIREITO de entrar num ESPAÇO PÚBLICO.

Vi também policiais sem a identificação na farda. Ah, um coronel a qual pedimos a sua identificação disse que era "ninguém". Interessante, não?

Vi, eu vi que TODA A CONFUSÃO COMEÇOU COM A AÇÃO POLICIAL DE DISPERSAR OS MANIFESTANTES QUE APENAS QUERIAM AUTORIZAÇÃO PARA ENTRAR NA ALES. NÃO HOUVE QUEM JUSTIFICASSE A RAZÃO DE NÃO PODERMOS ENTRAR. A RESPOSTA VEIO COM O SPRAY DE PIMENTA, COM AS BALAS DE BORRACHA E COM AS BOMBAS DE EFEITO MORAL (QUE IMORALIDADE!!!!).

Espero que os jornalistas que lá estavam de diferentes emissoras de TV e rádio (que sofreram também as mesmas pressões que os manifestantes), sejam justos e noticiem os fatos como os mesmos ocorreram. Senão entrarão para a lista de vergonha da sociedade (se é que já não estão).

Hoje meu sentimento é de VERGONHA!

VERGONHA DA ALES! VERGONHA DOS PILANTRAS QUE NÃO ME REPRESENTAM. VERGONHA DA PM. VERGONHA DESSA DEMOCRACIA FAJUTA, ONDE POVO NA RUA É QUESTÃO DE POLÍCIA.

MAS SAÍ DESSA EXPERIÊNCIA COM UMA LIÇÃO: SÓ USA A FORÇA QUEM NÃO TEM ARGUMENTOS.

Como educadora quero registrar que minha memória é boa e que em 2014 não esquecerei de vocês, traidores do povo. Enquanto formadora de opinião, como escritora e professora, não deixarei que ninguém esqueça 2013. O ano em que os que dormiam, se juntaram aos que estavam acordados e deram início à revolução de ideias.

Fabíola Cerqueira, Professora de Sociologia, Mestre em Educação, em 15 de julho de 2013.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Residência pedagógica

Fabíola dos Santos Cerqueira 
Mestre em Educação 
E-mail: cso.especialista@yahoo.com.br

Este artigo objetiva problematizar a situação do estagiário nas escolas públicas da Grande Vitória. Problematizar o entendimento dos gestores públicos em relação ao estágio e os prejuízos que esse entendimento equivocado tem trazido à formação dos próprios estagiários e dos demais alunos com os quais os mesmos trabalham.

É prática nas diferentes redes municipais da Grande Vitória a contratação de estagiários, sobretudo, para atendimento à educação especial. O estágio é, em tese, uma condição de aprendizado, no entanto, tem se manifestado como meio para garantir atendimento nas escolas regulares às crianças e adolescentes com deficiência.

Em tese, o estagiário deveria ser colocado para atuar com o melhor profissional da escola, nas mais diversas áreas (alfabetização, educação especial, educação infantil, dentre outras) para com ele aprender, na prática, os processos de ensino e aprendizagem. Porém, a realidade tem sido outra. Estagiários são contratados para “cuidar” dos alunos com deficiência e, em alguns casos, a falta do estagiário significa a não possibilidade do aluno estar na escola. Há situações mais agravantes em que os estagiários assumem a sala de aula, devido às faltas constantes de professores, que a cada dia adoecem mais, tendo em vista as condições precárias de trabalho.

Um estudante de medicina, no terceiro período da faculdade não pode prescrever medicamentos ou fazer cirurgias, no entanto, a política educacional permite que estudantes a partir do terceiro período de Pedagogia e quarto de outras licenciaturas estejam presentes nas escolas, assumindo, em algumas situações, como já relatado, a própria sala de aula ou se exige dele conhecimentos e habilidades que os profissionais formados não têm em relação à Educação Especial. O que vemos é que em nome da inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares, muitos processos de exclusão tem se dado cotidianamente, seja no direito da criança e do adolescente a uma educação de qualidade, seja na função social da escola de contribuir com a formação inicial do futuro profissional da educação.

Política pública de educação de qualidade tão proclamada pelas redes municipais de educação será efetivada apenas quando o estagiário deixar de se constituir como mão de obra barata e passar a ser visto como o que é: sujeito em processo de formação que necessita do contato com a prática escolar para sua qualificação profissional. E para que isso ocorra, precisam estar vinculados aos melhores profissionais da educação, precisam ser motivados a superar obstáculos e a enxergar a educação como profissão, que exige planejamento, estudo e dedicação. Não podem acreditar que “qualquer um” pode “dar aula”.

A área médica exige que o sujeito faça residência para ter o direito de atuar profissionalmente, a fim de qualificar o processo de formação. Sonho com o dia em que essa exigência será cobrada também para profissionais da área educacional. Neste dia, teremos estudantes acompanhados dos melhores professores, imbuídos do desafio de ensinar, pelo exemplo de suas ações, a arte de ensinar. E assim os profissionais chegarão à escola real, tendo passado pela experiência de aprendizagem com base no empírico e não na teoria. Se isto é uma utopia me permito alimentar-me dela para continuar acreditando que um novo mundo é possível e que educação de qualidade é meta a alcançar.

Texto publicado no Jornal A Tribuna, na coluna Tribuna Livre, do dia 16 de maio de 2013, página 27.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Fracasso escolar ou fracasso do ensino?

Fabíola dos Santos Cerqueira
Mestre em Educação (PPGE/UFES)

No início do ano letivo foi divulgado pela imprensa o resultado de uma pesquisa (questionários da Prova Brasil 2011) onde mais de 90% dos professores entrevistados afirmavam que a causa do baixo desempenho escolar era o desinteresse dos alunos. Associado ao desinteresse dos alunos vinha a falta de acompanhamento familiar. Penso que a questão não seja assim tão simples, pois precisamos estar atentos aos problemas de aprendizagem e também aos de “ensinagem”, ou seja, os alunos não aprendem por vários motivos e não somente por desinteresse. 
A relação com a cultura, para as classes dominantes, segundo Pierre Bourdieu, se dá através de um aprendizado precoce, desde a infância, na própria família. Já para as classes dominadas esse contato é feito tardiamente por inculcação escolar. Essa relação tem implicações, de acordo com o autor, no desempenho escolar, pois, quanto maior a relação de intimidade com as coisas da cultura e da linguagem, maior será a incorporação da ação pedagógica. Na perspectiva de Bourdieu, a escola é concebida como sendo uma instituição a serviço da reprodução e da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes. Conhecer essas engrenagens nos permitiria romper com essa lógica.
Em 2011, coordenei uma pesquisa em uma escola pública da rede estadual de ensino, no município de Serra, e alguns dados se destacaram: mais de 50% dos professores tinham pós graduação (especialização e mestrado), no entanto, em 2010, mais de 60% dos alunos do 1º ano do Ensino Médio ficaram reprovados ou evadiram. Num grupo focal com os alunos que haviam ficado reprovados em 2010 e que retornaram à escola em 2011, constatei que alguns deles reprovaram porque não queriam mesmo estudar. Faziam o que François Dubet chama de “greve” (queriam estar na escola apenas para relacionar-se com seus pares). Outros atribuíam à reprovação o fato de que ficavam desmotivados com disciplinas como Física, Química e Matemática e a impossibilidade de dependência fazia com que desanimassem de estudar, já que a reprovação em uma disciplina significaria repetir o ano. Assumiam sua parcela de responsabilidade, mas apontavam situações em que ficava claro a falta de incentivo e de aposta dos professores em relação aos alunos. Falavam muito na percepção de que os professores já chegavam à sala de aula sem ânimo para ensinar, o que fazia com que as aulas fossem entediantes. 
 
Em contrapartida, na conversa com os professores, o discurso legitimava o resultado da pesquisa a qual nos referimos no início desse texto. Nós, professores temos dificuldade em refletir sobre nossa prática pedagógica e desconsideramos outros elementos que podem interferir no processo de ensino. Enxergamos os alunos como únicos responsáveis pelo fracasso escolar. Não nos damos conta de que esse fracasso não é individual, mas demonstra o fracasso do processo de ensino.
Onde está o “problema”? Na cultura de origem do aluno ou na cultura escolar? É possível afirmar que os alunos das classes populares, por possuírem capital cultural incompatível com o exigido pela cultura escolar, não tenham cultura ou que não sejam capazes de obter sucesso escolar? Por que não pensar que as pessoas são diferentes, têm vivências e experiências diferentes, logo, aprendem de formas singulares e em diferentes tempos e espaços? Qual o sentido ou significado que os conteúdos ensinados têm para os alunos das classes populares? São os mesmos sentidos ou significados para os alunos das classes médias e elite? Em que sentido a formação do professor impacta o aprendizado do aluno?
Minha experiência tem mostrado que há uma lacuna na formação inicial do professor (que ainda espera encontrar na escola o aluno ideal) que não está sendo preenchida pela formação em serviço e que tem culminado no fracasso do ensino. Temos uma geração de analfabetos funcionais, preparados para decodificar o código escrito, mas não aptos para uma leitura política do mundo que os capacitaria para uma intervenção cidadã na realidade a qual fazem parte. Logo, não se trata de uma reflexão sobre o que sabem os alunos da escola pública e o que sabem os alunos da escola particular. Trata-se de uma reflexão sobre os objetivos do ensino: para a reprodução ou a transformação social? E isso perpassa, inevitavelmente pela formação do professor e pelas suas condições objetivas de trabalho.
Texto publicado no Jornal A Tribuna, de 02 de abril de 2013, página 26, coluna Tribuna Livre.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A Sociologia no Ensino Médio: desafios e perspectivas


Fabíola dos Santos Cerqueira
E-mail: cso.especialista@yahoo.com.br

Entre os dias 11 e 18 de janeiro de 2013 aconteceu no campus da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), o IV CONECS (Conselho Nacional de Estudantes de Ciências Sociais). O evento contou com representação de estudantes de todas as regiões do Brasil. Uma das pautas do encontro foi o debate sobre a Sociologia no Ensino Médio. O objetivo era analisar os desafios que surgiram com o retorno da Sociologia no currículo do Ensino Médio, assim como as implicações para as universidades e para as escolas de Educação Básica. Isso porque ao longo dos anos, a partir do contexto político, social e econômico a Sociologia esteve presente ou ausente dos currículos escolares. Durante a ditadura militar, tivemos a substituição dessa disciplina por “Educação Moral e Cívica” e “Organização Social e Política do Brasil”, que tinham por interesse apenas “educar” a população a não enxergar os desmandos do regime autoritário.

A perspectiva atual é discutir em rede nacional “o que e como ensinar” Sociologia no Ensino Médio, envolvendo os sindicatos dos professores e universidades (que não podem se furtar dessa discussão). Não está em pauta ensinar ou não Sociologia. A obrigatoriedade da disciplina já é lei. Mas não dá para continuar admitindo que profissionais de outras áreas façam complementação pedagógica em apenas seis meses (à distância em alguns casos) e concorram com igualdade com quem fez a Licenciatura em Ciências Sociais ou Sociologia. Ou que Pedagogos e/ou Assistentes Sociais tenham prioridade em relação aos estudantes de Ciências Sociais/Sociologia.

Os currículos dos cursos de licenciatura em Ciências Sociais/Sociologia precisam ser reavaliados. A inclusão de disciplinas como Sociologia da Juventude e Sociologia da Escola são de extrema relevância para que o futuro professor compreenda o sujeito com o qual vai trabalhar no Ensino Médio e que tenha condições de refletir teoricamente a complexidade do que é a escola pública hoje. Outra questão que merece destaque é o estágio supervisionado que tem papel central na formação do docente, pois é através dele que o futuro professor poderá refletir sobre sua prática.

Por que não menos aulas de Matemática e Língua Portuguesa e mais aulas de Sociologia? Por que não Sociologia como disciplina obrigatória para quem faz vestibular para Ciências Sociais?

Queremos romper com a hegemonia. Queremos uma educação que valorize os conhecimentos historicamente acumulados e que haja equidade entre esses conhecimentos. Durante anos as Ciências Exatas são valorizadas e reconhecidas socialmente como mais importantes, mas ainda configura como justificativa para os maiores índices de reprovação escolar.

O cenário não é bom nem aqui nem em outros estados, mas vi jovens no IV CONECS com um brilho no olhar, com vontade de ser e fazer a diferença em nome da EDUCAÇÃO. Isso reascende a esperança de que um mundo melhor está sendo construído a cada dia. Após 10 anos de graduada consegui compreender neste evento o que Frei Betto disse no livro Sobre a Esperança (em diálogo com Mario Sergio Cortella), sobre a diferença entre o tempo pessoal e o tempo histórico. É possível que no meu tempo pessoal não consiga ver as mudanças que tanto sonho ver na educação. Mas aposto nesta nova geração e acredito que o futuro será melhor que o presente e me orgulho de poder fazer parte desse movimento de resistência contra a precarização da Educação e em especial do Ensino de Sociologia no Ensino Médio.

Texto publicado na Coluna Tribuna Livre, do Jornal A Tribuna, de 18 de janeiro de 2013, página 24.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Da infância à adultez: quando os sonhos morrem?

Quando eu era criança sonhava em mudar o mundo. Achava que quando eu fosse adulta as coisas seriam mais fáceis de resolver como o problema da fome, da educação, da desigualdade social, por exemplo. Mas sempre me deparava com alguém que dizia que eu era mesmo uma sonhadora, que o mundo é desse jeito e pronto.

Mas eu insistia nos sonhos e aí veio a adolescência/juventude e eu com mais força ainda acreditava que seria possível transformar esse mundo cheio de violência, desamor e descrença num mundo melhor. Foi na juventude que me graduei e comecei a lecionar. E sempre dizia aos meus alunos, desde os pequenos (pois trabalhei com crianças pequenas) até os adolescentes/jovens/adultos/idosos de que seria possível mudar o mundo, pois “quando a gente muda o mundo muda com a gente” (Gabriel O Pensador). Mas sempre tinha alguém dizendo para mim que isso era besteira, que o mundo era desse jeito e pronto.

Meu maior medo era acreditar que o mundo era desse jeito e pronto.

Não sou mais jovem. Sou uma mulher adulta e começo a entender o que os adultos diziam com “o mundo é desse jeito e pronto”. Quando somos vítimas de violência (de qualquer tipo), de injustiça, de indiferença, de preconceito começamos a enxergar o mundo de outra forma. Podemos escolher continuar acreditando no sonho de mudança e sermos até ridicularizados ou embrutecer. Nenhuma das duas escolhas é fácil. Ambas trazem dores.

Ontem fui mais uma vez vítima de violência. Arrombaram meu carro dentro do estacionamento da Secretaria Municipal de Educação de Vitória e levaram o som do carro e todos os meus CD´s. Só deixaram os do Fabio Junior (o ladrão tem um gosto mais apurado, pois os de Maria Betania, Chico Buarque, Legião Urbana, Kid Abelha, Ana Carolina e outros foram levados...rsrsrsrs).

Cheguei em casa destroçada. Não pelos bens materiais, mas pelo fato da violência ter ocorrido no meu local de trabalho e pelas circunstâncias que não vem ao caso detalhar aqui. Meu maior medo era perder a fé no mundo e nas pessoas. Era acreditar que o mundo é desse jeito e pronto, pois foi isso que ouvi durante todo o dia. Ontem fui comigo, mas poderia ser com qualquer outra pessoa. Acontece a toda hora.

Eu estava chocada. Apenas eu. Naturalizou-se a ideia de que a violência faz parte do nosso cotidiano e que não há nada mais a fazer. Por que tenho um som no carro? Deixou sacolas à vista? Deixou CD´s no carro? Tava pedindo pra ser roubada. Precisa ficar mais esperta. E se o ladrão for adolescente a ideia de reduzir a maioridade penal vem à tona.

Comecei a ter medo dos meus medos. Comecei a ter medo de acreditar que o mundo é desse jeito e pronto. Será? Será que sempre estive errada? Será que sou mesmo uma sonhadora? Mas Eduardo Galeano, ao falar da utopia nos disse que ela serve para nos fazer caminhar e se eu não tiver sonhos, mesmo que utópicos, como vou seguir em frente?

Fabíola dos Santos Cerqueira