sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

NATAL: TEMPO DE REFLEXÃO

É justamente nesta época do ano que as pessoas revelam todo o seu consumismo. A crença no bom velhinho (materialização do capitalismo), faz com que as pessoas se esqueçam do verdadeiro espírito de Natal e transformem este momento de reflexão e de oração em mais uma festa. As lojas ficam abarrotadas e os comerciais de TV nos fazem crer que esta data se processa da mesma forma em todas as famílias, que todas as crianças irão receber presentes, que todas as mesas são fartas. É difícil imaginar que ao mesmo tempo em que há mesas repletas de comida e bebida, existam tantas pessoas no mundo (e às vezes tão próximas de nós) desprovidas do básico para viver.

Como é difícil educar um filho neste mundo, onde a todo o instante o apelo do consumo, da cultura do ter, em detrimento do ser, se faz presente. Um mundo vazio de amor, de perdão, de solidariedade, mas repleto de ganância, de individualismo e de intolerância.

A televisão é um meio de comunicação que influencia os hábitos das crianças e, contribui, para a construção de necessidades, tanto dos pequenos, quanto dos adultos. Passamos a ver a felicidade do Natal atribuída à possibilidade de consumo. Na lógica neoliberal, aliás, cidadão é aquele que consome. Aqueles que não podem consumir, a partir dessa lógica, são colocados à margem, pois é o consumo que sustenta o capitalismo.

Com a proximidade do Natal percebemos também que as pessoas tornam-se mais sensíveis ao sofrimento alheio. É comum, nesta época, os orfanatos e asilos receberem muitas doações e visitas. Não sou contra às doações nem às visitas, mas penso que deveríamos ser sensíveis mais vezes ao ano. A solidariedade significa ruptura com a lógica neoliberal e a redistribuição das riquezas, com o intuito de diminuir as desigualdades sociais. Infelizmente, confundimos solidariedade com caridade e doamos o que nos sobra, mais como uma satisfação pessoal ou para expiar nossos pecados do que uma preocupação com o outro.

O Planeta Terra pede socorro! Sabemos que toda essa mudança climática, essa instabilidade do tempo, que tem causado muito sofrimento, principalmente às famílias mais pobres, é "culpa" do ser humano, de sua ganância. Em nome do desenvolvimento econômico, o homem tem causado males irreversíveis ao meio ambiente. Enquanto os estragos não começarem a atingir as camadas médias da sociedade, a questão ambiental será relegada ao segundo plano. Como já disse anteriormente, a sociedade capitalista necessita de consumidores para escoar a sua produção. Se houver um despertar da população para um consumo consciente e para uma reavaliação de suas necessidades, talvez ainda haja tempo para o planeta.

Nesta época procuro sempre refletir sobre o que fazemos com o nosso tempo, quais pessoas valorizamos, qual o tempo que dedicamos aos amigos, à família... qual é, de fato, a nossa prioridade?

Hoje, escravos do tempo e da tecnologia (abolimos as correntes, mas somos monitorados pelo celular), não nos damos conta de que a vida é mais que acúmulo de bens materiais... é mais que trabalho, é mais que dinheiro. Quantos de nós cultivamos o hábito de ler para/com os filhos? Quantos de nós dedicamos parte do tempo para brincar com os filhos, contar piadas, olhar as estrelas, admirar o nascer e o por do sol?

Que neste Natal, além dos presentes e da ceia, haja espaço para agradecimento, perdão, amor, solidariedade, fé e reflexão.

terça-feira, 7 de julho de 2009

O que se fala, quando se cala?

Quando se pensa em gestão democrática logo vem em mente a idéia de construção coletiva, da participação e do envolvimento de diferentes sujeitos em prol de um ideal, de uma missão, de uma meta. Pois bem, falar de gestão democrática no ambiente escolar é abordar todas essas questões, mas também é nos despertar para as relações de poder ali existentes.

Historicamente podemos afirmar que não temos uma cultura de participação no Brasil. Não aprendemos a ouvir e não estamos acostumados a sermos escutados. O Brasil foi inventado por colonizadores que extraíram toda a nossa riqueza e massacraram a população nativa. Durante anos fomos vítimas da ditadura militar e somente a partir da promulgação da Constituição de 1988, vimos surgir diante de nós a possibilidade de usufruirmos de direitos civis, políticos e sociais. E isso se reflete nas nossas vidas e nas nossas escolas até hoje.

Ser aluno, na concepção dos próprios alunos está relacionado, a ser “passivo”, “obediente”, “soldado”, a não poder se expressar, a ser submisso, a não ter voz e vez no espaço escolar. Na concepção desses sujeitos, os professores são aqueles que mandam, os “donos da verdade”, portanto, não adianta questionar, debater, pois no final, são sempre eles quem tem razão. Aí só resta uma manifestação às avessas. Há uma resistência a determinadas aulas e/ou professores e isso se manifesta nas conversas excessivas, nas burlas às regras, no “eu finjo que aprendo e ele finge que dá aula”.

E ainda queremos entender porque a participação nos movimentos sociais é tão incipiente! Uma criança que não aprendeu, ou que não foi socializada num ambiente de diálogo e de participação, certamente terá dificuldade em exercitar essa escuta e mesmo de acreditar na força do coletivo. É como se nosso corpo se acomodasse, se moldasse às pressões externas e a partir daí, passamos a não mais nos incomodar com as questões sociais, com as questões que merecem ser pensadas no coletivo. Naturalizou-se entre nós a idéia de que “não há mais nada a fazer”. Não tem jeito mesmo, o mundo não vai mudar. Por que falar? De que adianta eu falar? Ninguém participa mesmo, ninguém está preocupado.

Na percepção dos professores, os “donos da verdade” são os alunos. Os que não lhes permitem dar aula, os indisciplinados, os que não querem aprender, os que não serão ninguém no futuro... de que futuro estamos falando? Ninguém... ninguém... de que ninguém estamos mesmo falando? Do embalador do supermercado? Do gari? Do servente? Estes (e outros mais de que não me lembro) são “ninguéns” ou são invisíveis? Por que nossos olhos insistem em não enxergar aqueles que não tem o mesmo nível de escolaridade que nós, que ganham menos, que moram nas periferias, que são negros, que são pobres, que são mulheres... por quê?

A sociabilidade no mundo contemporâneo sofreu modificações e o espaço público passa por desvalorização. Assim, os conselhos, por exemplo, que surgiram como conquista, na prática, são espaços onde a participação é mais formal do que real, onde há possibilidade para a cooptação de lideranças, para a participação forjada a fim de legitimar o que já está pronto, gerando uma retração para a vida privada e uma desvalorização da esfera pública.

Nessa luta de forças, professores e alunos buscam estratégias para sobreviver às turbulências do dia a dia, porém sem se dar conta da necessidade de problematizar essas estratégias no coletivo e de enfrentar as dificuldades a partir do diálogo, da escuta e do envolvimento com as questões coletivas, tanto na escola quanto na comunidade a qual fazem parte.

sábado, 25 de abril de 2009

O invisíveis de nossa sociedade

Nesta semana, enquanto me encaminhava para a escola em que estou desenvolvendo minha pesquisa de campo, fui surpreendida com uma situação bastante constrangedora. Próximo a escola, localizada num bairro da cidade de Vitória, tem uma padaria e, quase todos os dias, me deparo com um senhor, com uma aparência suja na porta da mesma. Como sempre paro nesta padaria para comprar alguma coisa antes de ir para a escola, já percebi que os funcionários da padaria já conhecem o referido senhor e sempre lhe dão café. Porém, quarta-feira, 22 de abril, ao sair da padaria vi que, além do senhor de sempre havia um outro que esbravejava contra uma das funcionárias do caixa: "Sua branquela, você não pode fazer isso comigo! Existem mais moradores de rua do que trabalhadores! Existem mais pobres do que ricos! Você ainda vai ser demitida!"
Não fiquei lá tempo suficiente para ver o desfecho da história, mas confesso que essa situação me incomodou durante todo o dia. Na avenida Fernando Ferrari existe uma família de moradores de rua dormindo nas calçadas. Já passei por eles e confesso que senti medo. Só depois parei para pensar na situação daquelas pessoas. Num primeiro momento a única coisa que consegui sentir foi medo. Fiquei pensando se aquele senhor que, aparentemente, havia sofrido alguma forma de discriminação na padaria fazia parte daquela família que vi dormindo nas ruas. Fiquei pensando na reação da moça quando ele entrou na padaria. Provavelmente foi a mesma reação que eu teria se fosse abordada por ele. Fiquei pensando também na reação dos clientes da padaria diante daquela situação.
O fato é que há uma parcela de nossa população que é marginalizada e que só ganha visibilidade a partir do medo. Enquanto estão distantes e não ameaçam a nossa "paz", não fazemos a menor questão de enxergá-los.

Poder e violência: uma análise do cotidiano escolar

De um modo geral, pode-se dizer que poder é a capacidade que alguém ou um grupo tem de promover a mudança de comportamento de outros, mesmo contra a sua vontade. Pode ser exercido através da coerção, no qual o detentor do poder faz uso da força ou ameaça usá-la para alcançar a obediência do subordinado. A imposição dessa força, não necessariamente é a força física, mas pode ser também uma força simbólica. Pode também ser exercido pela persuasão. Neste caso, o detentor do poder vai convencer o outro a obedecê-lo. O poder, segundo Michel Foucault, está diluído em todas as relações sociais, em todos os níveis e classes sociais.

No ambiente escolar, os corpos são “indesejados”, daí todo o esforço no processo de disciplinamento desses corpos. Nem sempre o poder exercido na escola será por meio da persuasão, do convencimento. Geralmente é exercido por meio da coerção e esta não pressupõe o uso apenas da força física, mas, em se tratando do ambiente escolar, da violência simbólica. É preciso que as crianças, adolescentes, jovens e adultos aprendam a se comportar, a respeitar as regras e normas impostas pela escola, mesmo que estas firam a sua própria identidade. Há um padrão de comportamento a ser seguido e os que não se enquadram nestes padrões, são excluídos.

Infelizmente existe no Brasil o mito da não-violência brasileira. Este mito nos impede de aprofundarmos a discussão em torno da violência, restringindo esse fenômeno à violência física, inclusive no ambiente escolar. A estrutura autoritária da sociedade e a divisão social sob a forma de privilégio e de carência contribuem para que o mito da não-violência brasileira permaneça. A sociedade brasileira ainda é marcada pelos traços da escravidão, sendo as relações sociais hierarquizadas, onde sempre há um que se coloca como superior e outro como inferior, em todos os âmbitos da vida, desde as relações familiares até as relações de trabalho.

Neste contexto observa-se que a escola tem um papel fundamental. Nela há espaço para ruptura ou reprodução dessa lógica, embora não se pode deixar de afirmar que as relações sociais na escola são também marcadas pelo autoritarismo. A estrutura física e pedagógica da escola colabora para o disciplinamento dos corpos. Portas e janelas gradeadas, área para a recreação controlada sempre por um adulto que está sempre pronto para registrar as ocorrências referentes à quebra das regras (estas nem sempre construídas pelo coletivo, mas impostas). Na escola também não há espaço para aprofundarmos o tema da violência. Esta, quando aparece é contra o professor. Nunca se admite que a escola também produz sua própria violência. Discute-se então a violência do “eles” contra “nós” também no espaço escolar. Espaço este que teria como papel fundamental romper com este mito que reserva aos mais pobres (o “eles”), o lugar perverso em nossa sociedade.

As relações de poder existentes no ambiente escolar manifestam-se, cotidianamente, através das relações conflituosas entre os sujeitos que ali convivem. A ausência de diálogo no ambiente relacional abre espaço para que os conflitos se instaurem. Estes são inerentes ao ser humano, porém, o que faz diferença é a forma com a qual lidamos com eles. Admitir que as violências estão presentes nas escolas e que estas, com suas estruturas rígidas e autoritárias, contribuem para a sua reprodução, seria dar o primeiro passo rumo à construção de uma cultura de paz, destituindo o mito da não-violência. Superar os desafios apresentados diante da diversidade que se apresenta em nossa sociedade e que se reflete em nossas escolas não é tarefa fácil. Mas, precisamos estar dispostos a nos despir dos preconceitos e incertezas para que as diferenças não se transformem em desigualdades.

domingo, 22 de março de 2009

E quando a vítima é o (a) professor (a)?

Nas últimas semanas as notícias sobre casos de violência no ambiente escolar têm ganhado a manchete dos jornais e dos noticiários. É certo que ganham mais relevância e destaque quando as vítimas são crianças ou adolescentes. Não estou aqui querendo reforçar posturas de vitimização do magistério. Entendo e defendo que os direitos das crianças e adolescentes sejam sempre respeitados. Mas não posso naturalizar os processos de violência que têm atingido professores e professoras no município de Vitória. Famílias que entram na escola e agridem fisicamente uma professora (último caso acontecido em São Pedro, neste mês). Isso sem contar as ameaças, agressões verbais e desrespeito com os quais os profissionais do magistério convivem diariamente.
É preciso que tomemos consciência da gravidade do problema e que tanto os órgãos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes quanto os sindicatos e as secretarias de educação se proponham a enfrentar esse problema e a buscar estratégias para efetivar uma educação de qualidade. Enquanto nosso foco for o IDEB, esquecendo-se que educação de qualidade vai para além do saber ler, escrever e contar vamos colaborar para que mais crianças, adolescentes, jovens e profissionais do magistério sejam violentados nos seus direitos básicos.

domingo, 15 de março de 2009

Juventudes e escola no Brasil

Para início de conversa, torna-se relevante expor o que entendemos por juventude, o que pressupõe romper com os discursos recorrentes que ora atribuem à juventude um caráter de irresponsabilidade, de problema, de risco e de vulnerabilidade; ora como fase intermediária entre a infância e a vida adulta, depositando no futuro todas as expectativas em relação aos jovens, em detrimento do presente (o jovem é um “vir a ser”). Há ainda uma tendência que identifica os jovens com uma visão romântica, associando-os à idéia de liberdade, de prazer ou ainda, às expressões culturais.

José Machado Pais (1996), autor português, afirma que “A juventude é uma categoria socialmente construída, formulada no contexto de particulares circunstâncias econômicas, sociais ou políticas; uma categoria sujeita, pois a modificar-se ao longo do tempo.”. Isso implica em afirmar que não há uma única forma de ser jovem. Daí falarmos em juventudes, no plural, com o intuito de identificar as diversas formas de se vivenciar os modos de ser jovem.

Importante também identificar a forma com que os jovens se relacionam entre si. E é neste contexto, de descobertas e novas emoções que os jovens começam a lidar com a questão da identidade. Tendo como base a idéia de que a identidade vai se constituir na interação social, os grupos de amigos, também no espaço escolar, ganham relevância, daí a importância de se discutir as relações que os jovens estabelecem com seus pares, no ambiente escolar. Os jovens tendem a se aglutinar para marcar a sua identificação com um grupo (criando seus “dialetos”, suas formas de vestir e se comportar) e também para se diferenciar dos adultos. É na formação dessas redes de sociabilidade que se formam as diferentes formas de ser jovem, que se diferenciam das diferentes formas de ser adulto.

A escola tem sofrido mudanças nas últimas décadas. A mais significativa, acredito ser a que diz respeito à massificação do ensino. Esta produz um fenômeno novo: a escola como espaço de diversidade e não mais de homogeneização. E a grande questão que se coloca é entender se a escola está preparada para trabalhar com a diversidade, uma vez que sempre esteve em contato com a padronização.

Com a massificação do ensino, houve uma significativa migração de alunos das classes médias e elite para a rede particular, fazendo com que a escola pública passasse a ser vista como “escola para pobre”. O próprio sentido do ensino médio passa a ser alterado. Para jovens das classes populares é a última etapa da escolarização.

Somado a isso é importante destacar a representação negativa e preconceituosa da juventude, sobretudo os jovens das classes populares, identificados como problema e vinculados à idéia de risco e violência, logo passando a ser vistos como problemas sociais.

A escola nega ao aluno a sua condição juvenil, ao desconsiderar a sua especificidade e tratá-lo de forma homogeneizante. A crise porque passa a escola pública hoje está de certa forma relacionada com a já referida massificação do ensino, apesar dos constantes esforços unilateriais em se atribuir a responsabilidade aos jovens, aos professores e à família. Para a escola e os seus profissionais o problema está centrado nos alunos que não têm limite e não têm interesse na educação, além de culpabilizarem também as famílias dos jovens. Quando a família que se apresenta na escola é diferente do modelo nuclear burguês, diz que as famílias são desestruturadas, transferindo para elas, inclusive, o fracasso escolar de seus filhos. A escola naturaliza essa postura e não se dispõe a discutir o porquê de fato os alunos não aprendem.

Assim, a instituição escolar que poderia contribuir para diminuir as desigualdades sociais acaba por reforçá-la quando, ignora as desigualdades sociais, econômicas e culturais entre os jovens das diferentes classes sociais.

sábado, 14 de março de 2009

O corpo como capital simbólico

O conceito de feiúra, assim como o de beleza, é relativo não somente às diversas culturas, mas também, ao tempo. Não somente ao tempo passado, mas também ao tempo futuro (ECO, 2007, p. 391). Assim, há um padrão de beleza em cada cultura e também em cada tempo histórico dentro de uma mesma cultura. O padrão de beleza definido hoje, refere-se a um corpo magro (no caso das mulheres) e musculoso (no caso dos homens).

Os indivíduos de cada cultura constroem os seus corpos e comportamentos através da “imitação prestigiosa”, o que nos permite afirmar que o corpo é uma construção cultural, podendo variar de acordo com o momento histórico e cultural de cada sociedade, sendo adquirido através da imitação de atos, comportamentos e corpos que obtiveram sucesso (MAUSS, 1974). Em nossa sociedade, as modelos e atrizes adquiriram status de celebridade e passaram a ser invejadas e imitadas, principalmente, pelas jovens.

O corpo é uma construção cultural e os indivíduos incorporam a representação desse corpo no processo de socialização. De acordo com o que afirma Rodrigues (1980, p. 45), o corpo é, ao mesmo tempo natureza e cultura, sendo, o sistema biológico humano, afetado pela religião, pela ocupação, pelo grupo familiar, pela classe, pelo gênero e outros intervenientes sociais e culturais. Na sociedade contemporânea, o padrão do corpo refere-se ao magro e “sarado”. Todos os que fogem a esse padrão são “condenados” às dietas, à malhação, às cirurgias plásticas ou à morte simbólica, tendo em vista que, segundo Velho (1979, p. 17), “A idéia de desvio, de um modo ou de outro, implica a existência de um comportamento “médio” ou “ideal”, que expressaria uma harmonia com as exigências de funcionamento do sistema social”.

O corpo belo, magro e sarado passa a ser a própria representação do eu. Eu passo a existir a partir do olhar alheio e não suporto não estar na “fôrma”. A partir dessa lógica passamos a identificar os que estão fora desse padrão de beleza como pessoas sem vontade própria, desleixadas, sem disciplina, sujeitando-os às piadas constantes. As “vítimas” preferidas dessa ideologia são os/as jovens. Daí talvez seja possível compreender o porquê de uma parcela significativa dos jovens viverem nessa busca desenfreada pelo corpo magro e com certa repulsa alimentar, numa sociedade cuja maior vergonha é ter seres humanos morrendo de fome ou inanição. Essa busca tem levado jovens a cometer medidas extremas, acarretando inclusive em morte, em virtude da anorexia ou da bulimia, que são doenças dessa sociedade de consumo e culto ao corpo magro, que se contrapõe à realidade de muitas famílias, cujos filhos morrem de fome não por recusa alimentar, mas em decorrência da desigual distribuição de renda.

Acredito que os sentimentos provocados a partir da imposição de um padrão corporal magro sejam semelhantes, tanto nos jovens das classes populares, quanto nos jovens das classes média e elite. A diferenciação deve se dá, ao nível das estratégias para se alcançar o referido padrão de beleza, uma vez que, os jovens das classes médias possuem muito mais recursos financeiros que os das classes populares, daí que, segundo Marx (2004. p. 169), “..., não sou feio, porque o efeito da fealdade, o seu poder de repulsa, é anulado pelo dinheiro.” (grifo do autor)

E é no espaço escolar que as diferenças começam a se sobressair, ganham uma visibilidade negativa, pois aqueles que são diferentes, logo começam a ser alvo das “brincadeiras” e dos apelidos, sendo que as reações são as mais diversificadas. Passam pela aceitação[1], pela reação silenciosa e até mesmo a uma agressão. E os adultos nem sempre estão preparados para identificar esse tipo de violência e nem para conduzir a mediação quando o conflito já está posto.

Referências Bibliográficas:
ECO, Umberto (org.). História da feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: Sociologia e Antropologia, São Paulo, EPU, 1974, vol. II, pp.209-233
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980.
VELHO, Gilberto (org.). Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

[1] Uso aqui o termo “aceitação” para expressar o que acontece com os jovens que preferem permitir serem inferiorizados pelo grupo a ter que se afastar do mesmo. É mais fácil tolerar o sentimento de inferioridade do que o de solidão.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Violência institucional

Em se tratando da educação acredito ser relevante destacar que a profissão do magistério, majoritariamente, é exercida por mulheres. As professoras, em sua maioria, mas também os professores, através de denúncias e desabafos, vêm nos revelar as violências sofridas no ambiente de trabalho. Salários defasados, carga horária excessiva, pressão para aumentar a “produção”, salas superlotadas, além de todo o stress vivido pelas ameaças sofridas por alunos, pelas suas famílias e até pelo tráfico, além das relações interpessoais conflituosas e autoritárias. Angústia por não saber o que fazer diante da perda diária de alunos para o tráfico, angústia diante dos abusos cometidos pelas próprias famílias. Hoje somos reféns do medo. Essa é uma das facetas da violência contra a mulher. É uma violência (simbólica) a qual nós, mulheres trabalhadoras do magistério temos enfrentado, cotidianamente. Quem não resiste, adoece. E muitas de nós têm adoecido...

As crianças e jovens no Brasil também são submetidos, cotidianamente às violências. Digo violências, pois são muitas e de causas também plurais. Quando são excluídos dos programas sociais teoricamente criados para atender suas demandas ou mesmo quando não são ouvidos na formulação e avaliação de tais políticas públicas. Quando não aprendem, quando precisam estar no mercado de trabalho precocemente, quando são discriminados pela classe social, etnia, sexo, estética; quando não são atendidos nas unidades de saúde, quando são invisibilizados pela sociedade de consumo que só consegue vislumbrar quem tem poder de consumo. Quando são ignoradas e quando não há o reconhecimento de seu capital cultural. Quando as denúncias aos órgãos competentes são feitas e não há retorno... sensação de “abandono” que toma conta de cada um de nós!

A escola não é uma ilha. Ela está inclusa na sociedade e esta faz parte da escola. Logo, se partimos da idéia defendida por Marilena Chauí, de que a estrutura da sociedade brasileira é violenta, vamos, inevitavelmente afirmar que a estrutura da escola também o é. Precisamos então romper com o mito da não-violência brasileira se quisermos aprofundar o debate sobre a violência no Brasil. Precisamos romper com a lógica perversa que marginaliza os mais pobres. Flávia Schilling (2004), no livro, “A sociedade da insegurança e a violência na escola”, diz que: (...) É preciso polícia, justiça, moradia, trabalho, saúde, educação, meio ambiente, cultura, apoio às vítimas, tratamento dos agressores. Há intervenções que podem ser feitas a partir dos recursos próprios, dos recursos pessoais de cada um de nós. Há ações que só são possíveis a partir da construção de um coletivo, que exigem uma interlocução mais ampla.
Sendo assim, afirmo que a efetivação de uma cultura de paz nas escolas necessita não somente de profissionais bem intencionados, mas também valorizados, além da articulação de ações que dêem conta da complexidade que é a violência.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Abordagem etnocêntrica da aprendizagem

Motivada pelas conversas com professores, em que os mesmos relatavam suas angústias em relação à diferença na aprendizagem de seus alunos das escolas públicas e privadas, inicio uma discussão sobre desempenho escolar, a partir dos conceitos de cultura, etnocentrismo e capital cultural.

O conceito de cultura nos permite entender como características universais da humanidade (comer, falar, reproduzir, dentre outros) adquirem significados próprios dentro de cada grupo social. Daí só poderem ser compreendidos no contexto de seu próprio grupo.

O etnocentrismo é uma visão do mundo onde nosso grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nosso modelos, nossas definições do que é a existência. Passamos a julgar o “outro” segundo o que pensamos, sentimos e acreditamos ser correto. O “eu” passa a ser a referência para o “outro”. O reconhecimento da diferença é ameaçador justamente porque fere a nossa própria identidade cultural. A sociedade do “eu” passa então a ser reconhecida como a melhor, a superior, a civilizada por excelência. Torna-se necessário um esforço em relativizar, a fim de não transformar a diferença em desigualdade, que hierarquiza as culturas e os homens em superiores e inferiores. A relativização propicia que a diferença seja vista em sua riqueza. A lógica da dominação e do não reconhecimento da diferença é tão perversa que muitos dominados incorporam a cultura dominante como sendo superior e melhor que a sua, sonhando em alcançá-la, o que alguns autores chamam de etnocentrismo invertido.

A relação com a cultura, para as classes dominantes, segundo Pierre Bourdieu, se dá através de um aprendizado precoce, desde a infância, na própria família. Já para as classes dominadas esse contato é feito tardiamente por inculcação escolar. Essa relação tem implicações, de acordo com o autor, no desempenho escolar, pois, quanto maior a relação de intimidade com as coisas da cultura e da linguagem, maior será a incorporação da ação pedagógica. Na perspectiva de Bourdieu, a escola é concebida como sendo uma instituição a serviço da reprodução e da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes. Conhecer essas engrenagens nos permitiria romper com essa lógica.

A escola reproduz os mesmos métodos em espaços educativos diferentes, desconsiderando as especificidades dos sujeitos. Nega ao aluno a sua condição de sujeito e desconsidera as múltiplas formas de se vivenciar a infância, a adolescência, a juventude, a adultez e até mesmo a velhice. Desconsidera a herança cultural desses sujeitos, a qual possibilitaria maior ou menor afinidade com a cultura escolar, garantindo o sucesso ou o fracasso escolar. Não há reconhecimento da diferença e esta passa a ser vista como desigualdade e se expressa através da exclusão (os números de evasão, por exemplo, são elevados).

Onde está o “problema”? Na cultura de origem do aluno ou na cultura escolar? É possível afirmar que os alunos das classes populares, por possuírem capital cultural incompatível com o exigido pela cultura escolar, não tenham cultura ou que não sejam capazes de obter sucesso escolar?
Por que não pensar que as pessoas são diferentes, têm vivências e experiências diferentes, logo, aprendem de formas singulares e em diferentes tempos e espaços? Qual o sentido ou significado que os conteúdos ensinados têm para os alunos das classes populares? São os mesmos sentidos ou significados para os alunos das classes médias e elite?

Muitos são os questionamentos e não pretendo dar as respostas (nem mesmo sei se existem!). A principal contribuição aqui é nos provocar uma reflexão a respeito da (não) aprendizagem dos alunos das escolas públicas. Há que se considerar as questões sócio-econômicas-culturais, assim como o próprio processo de exclusão produzido pelas escolas, a fim de entender as diferenças no desempenho escolar de alunos das escolas públicas e privadas.