quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Quanto custa não estar na forma?


Fabíola dos Santos Cerqueira
Mestre em Educação (PPGE/UFES)

Em maio de 2010 defendi a dissertação de Mestrado intitulada “Juventude, violência simbólica e corpo: desvelando relações de poder no cotidiano escolar”. Na ocasião pretendia compreender as formas de violência simbólica entre jovens do Ensino Médio do Município de Vitória e seus comportamentos diante da pressão por um corpo perfeito e a influência desse padrão na sociabilidade juvenil e estudantil. Pude identificar que a pressão por estar “na forma” é evidente entre meninos e meninas, que desejavam ser sarados e magras, respectivamente. Queriam ser notados pelos seus corpos que insistiam em exibir enquanto os adultos insistiam em mantê-los encobertos, pelo menos no interior das escolas. Desconheciam os riscos das dietas milagrosas sem prescrição médica e chegaram a afirmar que entre ser “gorda” e “anoréxica”, o melhor seria a segunda opção. Caracterizavam a gordura corporal como desleixo, como falta de cuidado e de vontade própria, pois "quem queria, não era preguiçoso, tinha um corpo legal”.

Estou trazendo este recorte de minha dissertação objetivando denunciar e alertar a todos sobre os males e os riscos da anorexia nervosa, doença que só fui conhecer de verdade quando a mesma bateu à minha porta e atingiu a minha filha de apenas 13 anos. No início tratava-se apenas de uma restrição alimentar simples objetivando manter o corpo (que já era magro) em forma (pura vaidade). Com o passar dos dias fui percebendo que a quantidade de alimentação estava cada vez menor. Em dezembro do ano passado, após um desmaio, procurei por vários médicos (cardiologista, pediatra, neurologista, endocrinologista) e todos eles me disseram, com base nos exames que estava tudo bem. Mas ninguém me dava atenção quando eu dizia que ela comia muito pouco.

Em maio deste ano a nutricionista do CENTROCOR me alertou de que a minha filha estava desnutrida. Imediatamente entramos em contato com a pediatra que recomendou atividade física, comida e psicóloga. Duas semanas depois minha filha foi internada num hospital particular do município de Serra com um quadro de desnutrição, com IMC (Indice de Massa Corpórea) igual a 13. A internação ocorreu depois de muita insistência, pois apesar da menina mal conseguir andar, todos afirmavam que ela estava ótima, afinal seus exames laboratoriais assim o diziam. Nos nove dias de internação ficou claro que os profissionais do hospital não sabiam o que faziam. Insistiam apenas que ela tinha que se alimentar para melhorar e que se tratava de um problema de fundo psicológico. Não foi feita uma avaliação psicológica porque esta estava de férias e o psicólogo do hospital, apesar de ser acionado, não fez a avaliação. Tivemos que pagar profissionais externos para fazer a avaliação psicológica e psiquiátrica.

Esse relato, onde exponho minha intimidade e a de minha família servem para alertar aos pais quanto à alimentação dos filhos. Restrição alimentar ou dieta, como queiram chamar, somente com orientação profissional. Não podemos nos deixar levar pelos comerciais, pelas receitas caseiras ou pela “neura” de chegar a um “peso ideal” a qualquer custo. O custo pode ser alto. Pode ser a própria vida.

Chamo atenção às autoridades da área da saúde (pública e privada), pois os hospitais e os médicos de maneira geral (exceto os especialistas da área) não sabem identificar a doença e quando a mesma é identificada não sabem como agir. Se existe a piada de que médico quando não sabe o que temos diz que é virose, se ele souber que você tem anorexia nervosa, seus sintomas tornam-se “psicológicos” e nada é feito, pois quem cuida desses sintomas é o psiquiatra. Quando a anorexia nervosa será reconhecida como uma doença social dessa sociedade de consumo e do culto ao corpo magro? Quando os médicos aprenderão a olhar para os pacientes e seus familiares com menos preconceito? Quando entenderão que não comer deixou de ser uma escolha e passou a ser uma doença?

Como profissional da educação, insisto que a escola (que não é uma ilha, mas está inserida na sociedade), deve também estar atenta a estas questões, a fim de evitar casos de bullying e de qualquer forma de exclusão (que pode se dar através de um olhar, de uma palavra sem intenção de ferir, por exemplo).

A mídia impõe a tríade: ser bela, ser jovem, ser saudável. Hoje as mulheres querem ser magras, leves e turbinadas para se sentirem belas. Enquanto cidadã penso na loucura que é tentar encaixar-se num padrão de beleza que sequer existe. Quando nos deixarão ser felizes do jeito que somos? Quando teremos coragem de dar um fim à ditadura da magreza? Afinal, sabemos quanto custa não estar na forma? Já fez as contas, leitor?

Publicado no Jornal A Tribuna, de 05 de setembro de 2012, na coluna Tribuna Livre, com algumas adaptações para se adequar ao espaço da coluna.

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