quarta-feira, 4 de março de 2009

Abordagem etnocêntrica da aprendizagem

Motivada pelas conversas com professores, em que os mesmos relatavam suas angústias em relação à diferença na aprendizagem de seus alunos das escolas públicas e privadas, inicio uma discussão sobre desempenho escolar, a partir dos conceitos de cultura, etnocentrismo e capital cultural.

O conceito de cultura nos permite entender como características universais da humanidade (comer, falar, reproduzir, dentre outros) adquirem significados próprios dentro de cada grupo social. Daí só poderem ser compreendidos no contexto de seu próprio grupo.

O etnocentrismo é uma visão do mundo onde nosso grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nosso modelos, nossas definições do que é a existência. Passamos a julgar o “outro” segundo o que pensamos, sentimos e acreditamos ser correto. O “eu” passa a ser a referência para o “outro”. O reconhecimento da diferença é ameaçador justamente porque fere a nossa própria identidade cultural. A sociedade do “eu” passa então a ser reconhecida como a melhor, a superior, a civilizada por excelência. Torna-se necessário um esforço em relativizar, a fim de não transformar a diferença em desigualdade, que hierarquiza as culturas e os homens em superiores e inferiores. A relativização propicia que a diferença seja vista em sua riqueza. A lógica da dominação e do não reconhecimento da diferença é tão perversa que muitos dominados incorporam a cultura dominante como sendo superior e melhor que a sua, sonhando em alcançá-la, o que alguns autores chamam de etnocentrismo invertido.

A relação com a cultura, para as classes dominantes, segundo Pierre Bourdieu, se dá através de um aprendizado precoce, desde a infância, na própria família. Já para as classes dominadas esse contato é feito tardiamente por inculcação escolar. Essa relação tem implicações, de acordo com o autor, no desempenho escolar, pois, quanto maior a relação de intimidade com as coisas da cultura e da linguagem, maior será a incorporação da ação pedagógica. Na perspectiva de Bourdieu, a escola é concebida como sendo uma instituição a serviço da reprodução e da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes. Conhecer essas engrenagens nos permitiria romper com essa lógica.

A escola reproduz os mesmos métodos em espaços educativos diferentes, desconsiderando as especificidades dos sujeitos. Nega ao aluno a sua condição de sujeito e desconsidera as múltiplas formas de se vivenciar a infância, a adolescência, a juventude, a adultez e até mesmo a velhice. Desconsidera a herança cultural desses sujeitos, a qual possibilitaria maior ou menor afinidade com a cultura escolar, garantindo o sucesso ou o fracasso escolar. Não há reconhecimento da diferença e esta passa a ser vista como desigualdade e se expressa através da exclusão (os números de evasão, por exemplo, são elevados).

Onde está o “problema”? Na cultura de origem do aluno ou na cultura escolar? É possível afirmar que os alunos das classes populares, por possuírem capital cultural incompatível com o exigido pela cultura escolar, não tenham cultura ou que não sejam capazes de obter sucesso escolar?
Por que não pensar que as pessoas são diferentes, têm vivências e experiências diferentes, logo, aprendem de formas singulares e em diferentes tempos e espaços? Qual o sentido ou significado que os conteúdos ensinados têm para os alunos das classes populares? São os mesmos sentidos ou significados para os alunos das classes médias e elite?

Muitos são os questionamentos e não pretendo dar as respostas (nem mesmo sei se existem!). A principal contribuição aqui é nos provocar uma reflexão a respeito da (não) aprendizagem dos alunos das escolas públicas. Há que se considerar as questões sócio-econômicas-culturais, assim como o próprio processo de exclusão produzido pelas escolas, a fim de entender as diferenças no desempenho escolar de alunos das escolas públicas e privadas.

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