sábado, 14 de março de 2009

O corpo como capital simbólico

O conceito de feiúra, assim como o de beleza, é relativo não somente às diversas culturas, mas também, ao tempo. Não somente ao tempo passado, mas também ao tempo futuro (ECO, 2007, p. 391). Assim, há um padrão de beleza em cada cultura e também em cada tempo histórico dentro de uma mesma cultura. O padrão de beleza definido hoje, refere-se a um corpo magro (no caso das mulheres) e musculoso (no caso dos homens).

Os indivíduos de cada cultura constroem os seus corpos e comportamentos através da “imitação prestigiosa”, o que nos permite afirmar que o corpo é uma construção cultural, podendo variar de acordo com o momento histórico e cultural de cada sociedade, sendo adquirido através da imitação de atos, comportamentos e corpos que obtiveram sucesso (MAUSS, 1974). Em nossa sociedade, as modelos e atrizes adquiriram status de celebridade e passaram a ser invejadas e imitadas, principalmente, pelas jovens.

O corpo é uma construção cultural e os indivíduos incorporam a representação desse corpo no processo de socialização. De acordo com o que afirma Rodrigues (1980, p. 45), o corpo é, ao mesmo tempo natureza e cultura, sendo, o sistema biológico humano, afetado pela religião, pela ocupação, pelo grupo familiar, pela classe, pelo gênero e outros intervenientes sociais e culturais. Na sociedade contemporânea, o padrão do corpo refere-se ao magro e “sarado”. Todos os que fogem a esse padrão são “condenados” às dietas, à malhação, às cirurgias plásticas ou à morte simbólica, tendo em vista que, segundo Velho (1979, p. 17), “A idéia de desvio, de um modo ou de outro, implica a existência de um comportamento “médio” ou “ideal”, que expressaria uma harmonia com as exigências de funcionamento do sistema social”.

O corpo belo, magro e sarado passa a ser a própria representação do eu. Eu passo a existir a partir do olhar alheio e não suporto não estar na “fôrma”. A partir dessa lógica passamos a identificar os que estão fora desse padrão de beleza como pessoas sem vontade própria, desleixadas, sem disciplina, sujeitando-os às piadas constantes. As “vítimas” preferidas dessa ideologia são os/as jovens. Daí talvez seja possível compreender o porquê de uma parcela significativa dos jovens viverem nessa busca desenfreada pelo corpo magro e com certa repulsa alimentar, numa sociedade cuja maior vergonha é ter seres humanos morrendo de fome ou inanição. Essa busca tem levado jovens a cometer medidas extremas, acarretando inclusive em morte, em virtude da anorexia ou da bulimia, que são doenças dessa sociedade de consumo e culto ao corpo magro, que se contrapõe à realidade de muitas famílias, cujos filhos morrem de fome não por recusa alimentar, mas em decorrência da desigual distribuição de renda.

Acredito que os sentimentos provocados a partir da imposição de um padrão corporal magro sejam semelhantes, tanto nos jovens das classes populares, quanto nos jovens das classes média e elite. A diferenciação deve se dá, ao nível das estratégias para se alcançar o referido padrão de beleza, uma vez que, os jovens das classes médias possuem muito mais recursos financeiros que os das classes populares, daí que, segundo Marx (2004. p. 169), “..., não sou feio, porque o efeito da fealdade, o seu poder de repulsa, é anulado pelo dinheiro.” (grifo do autor)

E é no espaço escolar que as diferenças começam a se sobressair, ganham uma visibilidade negativa, pois aqueles que são diferentes, logo começam a ser alvo das “brincadeiras” e dos apelidos, sendo que as reações são as mais diversificadas. Passam pela aceitação[1], pela reação silenciosa e até mesmo a uma agressão. E os adultos nem sempre estão preparados para identificar esse tipo de violência e nem para conduzir a mediação quando o conflito já está posto.

Referências Bibliográficas:
ECO, Umberto (org.). História da feiúra. Rio de Janeiro: Record, 2007
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. In: Sociologia e Antropologia, São Paulo, EPU, 1974, vol. II, pp.209-233
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980.
VELHO, Gilberto (org.). Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

[1] Uso aqui o termo “aceitação” para expressar o que acontece com os jovens que preferem permitir serem inferiorizados pelo grupo a ter que se afastar do mesmo. É mais fácil tolerar o sentimento de inferioridade do que o de solidão.

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